quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

QUEM SOU EU? - DIETRICH BONHOEFFER



Quem sou eu?

Quem sou eu? Seguidamente me dizem
que deixo a minha cela
sereno, alegre e firme,
qual dono que sai do seu castelo.

Quem sou eu? Seguidamente me dizem
que falo com os que me guardam
livre, amável e com clareza,
como se fosse eu a mandar.

Quem sou eu? Também me dizem
que suporto os dias do infortúnio
impassível, sorridente e altivo,
como alguém acostumado a vencer.

Sou mesmo o que os outros dizem a meu respeito?
Ou sou apenas o que eu sei a respeito de mim mesmo?
Inquieto, saudoso, doente, como um pássaro na gaiola,
respirando com dificuldade, como se me apertassem a garganta,
faminto de cores, de flores, do canto dos pássaros,
sedento de palavras boas, de proximidade humana,
tremendo de ira por causa da arbitrariedade e ofensa mesquinha,
irrequieto à espera de grandes coisas,
em angústia impotente pela sorte de amigos distantes,
cansado e vazio até para orar, para pensar, para criar,
desanimado e pronto para me despedir de tudo?

Quem sou eu? Este ou aquele?
Sou hoje este e amanhã um outro?
Sou ambos ao mesmo tempo? Diante das pessoas um hipócrita?

E diante de mim mesmo um covarde queixoso e desprezível?
Ou aquilo que ainda há em mim será como um exército derrotado,
que foge desordenado à vista da vitória já obtida?


Quem sou eu? O solitário perguntar zomba de mim.
Quem quer que eu seja, ó Deus, tu me conheces.
Sou teu.

Extraído do livro “Dietrich Bonhoeffer: Vida e pensamento”, de Werner Milstein, Ed. Sinodal.

sábado, 2 de março de 2019

Uma reflexão sobre o Salmo 126: os que voltaram a Sião



Em meio ao cinza, havia uma canção.

Wilma Rejane


Salmo 126.1-Quando o Senhor trouxe do cativeiro os que voltaram a Sião, estávamos como os que sonham. 

O Salmo 126 foi escrito por um exilado judeu que experimentou  70 anos de deportação de Jerusalém para Babilônia. Qual o nome desse prisioneiro? Não se sabe. O que se sabe é que sua gratidão e louvor por ter retornado a Sião são e salvo, está registrada como  um cântico de celebração ou um Cântico dos degraus.

E que degraus eram esses? Eram os degraus das subidas entre Jerusalém e a Babilônia (Esdras 7:9) e os degraus do templo de Jerusalém,onde,ano a ano peregrinos se reuniam para relembrar a libertação do cativeiro. Cada degrau um novo cântico,um novo Salmo. No total, são quinze os Salmos denominados "dos degraus ou das romagens" do 120 ao 134.

O Salmo 126 é tão belo quanto os demais e versa especialmente sobre restauração. O autor faz uso de três metáforas para expressar a alegria do retorno para casa: Um sonho agradável, as águas frescas das torrentes do Neguev e as festividades da colheita. Lendo esse Salmo, logo no primeiro verso, encontro inúmeras lições que servem de referencial para os tempos de crises, de cativeiros enfrentados por nós em determinados momentos da vida. 

O cativeiro Babilônico teve inicio em 598 a. C e nos livros dos profetas Ezequiel, Jeremias, Daniel, Ageu e Zacarias é possível constatar relatos da época, bem como dos propósitos de Deus para a nação de Israel que estava sob julgamento. No livro de Esdras há um rico relato do período de retorno da Babilônia, do mover de Deus sobre a nação de cativos que com arrependimento e choro retornaram para os seus lares.

Mas o que aconteceu com os cativos  durante os 70 anos de crise? Como encontraram forças e ânimo para permanecerem esperançosos e confiantes de que tudo iria passar e Deus estava com eles? Não deve ter sido fácil porque a Babilônia procurou de todas as formas oprimir e roubar toda esperança do retorno. E é da Babilônia que nos chegam revelações do que acontece no mundo espiritual em tempos de crise. Claro, nem toda crise é resultado do juízo de Deus sobre nós. Existe base Bíblica para afirmar que até mesmo homens justos e tementes a Deus podem passar por cativeiros terríveis,foi o que aconteceu com Jó.

Se é difícil encontrar os porquês das crises, se não há unanimidade quanto a isso, porém,há unanimidade em outro aspecto das crises: elas confrontam nossa fé e força e todos, sem exceção, precisam lidar com elas, de modo a não se deixar abater, naufragar. Por esse motivo, é que olhar para o cativeiro nos ensina. Eclesiastes 7:5 diz: "O coração dos sábios está na casa do luto, mas o coração dos tolos na casa da alegria." Então, vamos aprender com a casa do luto?

Algumas dificuldades vividas pelos cativos na terra da Babilônia:

I- Uma das primeiras investidas do exército da Babilônia (sob o domínio de Nabucodonosor II) contra os judeus foi: saquear as preciosidades do templo de Jerusalém. Tudo quanto havia em ouro, prata, metais preciosos foram levados embora (Jeremias 52). 

O templo de Jerusalém era uma representação da presença de Deus,  um elo entre Deus e o povo. Era lá que os sacerdotes se reuniam para transmitir a Palavra de Deus, manejar as ofertas sagradas.

O templo saqueado indicava o inicio de um período de tristeza. Consideremos que nós somos o Templo do Espírito Santo de Deus. Quando as crises vêm elas têm o objetivo de saquear esse Templo: roubar a alegria, o gozo,a comunhão com Deus, o que há de mais valioso em nossas vidas. O templo estava vazio, mas sua estrutura estava lá de modo que ainda era possível sonhar com um retorno, com as festas e as reuniões solenes. Não por muito tempo, porque os opressores também investiram para destruir essa esperança.

II- Sacerdotes e ferreiros estavam na primeira turma de cativos (Jeremias 24:1)

Sem sacerdotes e sem ferreiros o povo enfraquecia. Não havia direção de Deus, não haviam armas para contra atacar. Até mesmo no exílio essas funções foram proibidas de serem exercidas, em Lamentações de Jeremias se lê:

Lamentações 2: 9 - "As portas de Jerusalém já de nada servem. Todas as fechaduras e cadeados estão violados e partidos; foi ele mesmo quem os arrombou. Os seus reis e os nobres estão escravizados em terras desconhecidas e afastadas, sem um templo, sem leis divinas para os governarem, sem visão profética para os guiar."

Efésios 6:10-18 afirma que nas crises trava-se uma batalha espiritual. Os recursos espirituais estavam sendo roubados de Israel. Armas materiais não mais haveriam e as espirituais precisavam ser buscadas, de modo individual. os profetas da prosperidade haviam sido envergonhados, suas mensagens de paz e bênçãos não se cumpriram e aos cativos restava ouvir os profetas dos "ais" (Lamentações 2:14). e ouvindo os "ais" cada um deveria buscar a Deus em arrependimento. 

O que aprendemos aqui? A salvação é individual. Romanos 14:12 diz: "De maneira que cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus." Desconfie de qualquer evangelho que não pregue arrependimento e afastamento do pecado. Desconfie dos caminhos e portas largas que não exigem renúncia e comprometimento com Deus. Desconfie da ritualidade eclesiástica, porque Evangelho é libertação é relacionamento com Deus através de Jesus Cristo. Evangelho é restauração do Templo, é novo nascimento com retorno ao Criador para fazer a Sua vontade. 

I Pedro 1:23 "Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre.

Cada cativo precisava viver sua própria experiência, crescer pessoalmente na compreensão sobre Deus. Crises são aprendizados e não adianta querermos apenas culpar os outros pelo que não deu certo. É preciso fazer a nossa parte, refletir: onde preciso melhorar? 

III- A cidade destruída e a batalha para reerguê-la.
Como voltar para os lares se a cidade estava em ruínas? Deus providencia o recomeço e instrui a Esdras para liderar a obra de restauração. Mas a Babilônia sabia que com os muro reerguidos e o templo em funcionamento, o retorno se tornaria possível, a esperança renasceria para os cativos que se tornariam mais fortes.


Esdras 4:4-5 "Todavia o povo da terra debilitava as mãos do povo de Judá, e inquietava-os no edificar. E alugaram contra eles conselheiros, para frustrarem o seu plano, todos os dias de Ciro, rei da Pérsia, até ao reinado de Dario, rei da Pérsia."

Não é assim também conosco? A Babilônia, não quer nos vê de pé e felizes, mas quando Deus ordena, Seus planos não se frustram. Havia chegado a hora do retorno, as ruínas do passado precisavam dar lugar a uma cidade forte. Salmo 113:7 diz que "Deus Levanta o pobre do pó e do monturo levanta o necessitado."

Se estamos dispostos a mudar a direção de nossas vidas, os pecados serão  perdoados. De vidas despedaçadas: por vícios, medos,abandonos, rebeldia...O que for, Deus ajunta os cacos e ergue fortalezas. Mas será preciso esforço, entrega. Não se pode esperar que outros façam por nós o que só nós podemos fazer. Israel não tinha mais que confiar em templos, reuniões, sacerdotes da prosperidade, armamentos. Israel tinha que decidir andar com Deus, as bençãos seriam consequências.

Para reconstruir Jerusalém, nem 
mesmo as pedras queimadas pelo fogo do incêndio provocado pelo exército inimigo foram descartadas. Elas serviram de alicerce para novas construções.  É isso mesmo, Deus é divinamente paciente para nos tratar com amor e perdão. Ele não quer nossa destruição, antes,porém, quer nosso crescimento e felicidade. E se para isso tiver que nos corrigir, assim seja. Sábio será o que aceitar a correção.

Hebreus 12:11 "
E, na verdade, toda a correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos exercitados por ela."

 
A restauração:
  • Quando o Senhor trouxe do cativeiro os que voltaram a Sião, estávamos como os que sonham.
  • Então a nossa boca se encheu de riso e a nossa língua de cântico; então se dizia entre os gentios: Grandes coisas fez o Senhor a estes.
  • Grandes coisas fez o Senhor por nós, pelas quais estamos alegres.
  • Traze-nos outra vez, ó Senhor, do cativeiro, como as correntes das águas no sul. 
  • Os que semeiam em lágrimas segarão com alegria.
  • Aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus molhos. 
Salmos 126:1-6

No final, a recompensa  chega como as correntes do Sul, que lugar é esse? Se refere as torrentes no deserto de Neguebe, um lugar inóspito ao Sul de Jerusalém. Ali existe um leito de rio vazio e seco em alguns períodos do ano, mas de repente, e sem haver chuva ou explicação, o lugar é inundado por torrentes de águas, e o lugar então, faz jus a indicação: "correntes do Sul" ou "torrentes do Sul" que transbordam como em um fenômeno.

No final o que foi plantado com choro, é colhido com alegria. Por que foi plantado com choro? Porque o terreno era trabalhoso, a caminhada era penosa, as sementes foram conseguidas com tanto esforço que mesmo andando e chorando o semeador não as soltou, não as desprezou. Pelo contrário, ele as sustentou com todo o zelo e acreditou que floresceriam. Que grande lição de fé nos dá esse Salmo!

Nesse momento, temos em diversas partes do mundo, servos fiéis  passando por cativeiros: missionários em prisão, mulheres em decepção por causa de um relacionamento, homens desempregados, quem sabe doenças, morte. Todos esses cativeiros são reais, mas não podemos soltar as sementes das promessas de Deus, não podemos perder jamais a alegria de ter o Reino de Deus em nós. As torrentes do Sul, podem jorrar como um despertar espiritual nos proporcionando crescimento que não alcançaríamos, de outra forma, que não através do choro de arrependimento, decepção, tristeza e outros regressos.

Que o Deus da restauração o abençoe.

Fonte de pesquisa: Bíblia de Estudo Plenitude, Sociedade Bíblica do Brasil, SP. Edição 1995.

Postado por Wilma Rejane 
Vi no blog do amigo João Cruzué