Por Claudionor de Andrade
Acabo
de ler o último livro de John Stott (1921-2011). Publicado em 2010,
O
Discípulo Radical traz
o adeus singelo e carinhoso do teólogo inglês: “Ao baixar minha
caneta pela última vez (literalmente, pois confesso não usar
computador), aos 88 anos, aventuro-me a enviar essa mensagem de
despedida aos meus leitores. Sou grato pelo encorajamento, pois
muitos de vocês me escreveram”. Algumas linhas adiante, despede-se
ele de seus amigos e discípulos: “Mais uma vez, adeus”. O livro
não é só despedida; é um alerta grave e urgente à nossa
cristandade. Ao descrever o perfil da igreja evangélica atual, o
irmão Stott, já bastante apreensivo, preferiu ser econômico nas
palavras: “Crescimento sem profundidade”.
Constranjo-me
a concordar com a análise de Stott. Sei que não devo generalizar,
pois ainda há rebanhos sadios e bem nutridos. Mas a verdade é que
nunca as igrejas estiveram tão cheias de crentes tão vazios. O que
está acontecendo conosco? De imediato, seja-me permitido apontar
dois fatores que vêm orfanando os filhos de Deus: a substituição
do Cristo eterno pelo Jesus secular e a retirada da cruz da mensagem
evangélica.
Ao
invés do Cristo eterno, o Jesus secular
O
maior inimigo de Cristo na presente década é o Jesus que nós,
evangélicos, criamos no século passado. Parece que, no armário de
nossa teologia, há sempre um “Jesus” pronto a justificar-nos
todos os disparates e ambições. Tal Jesus, porém, está longe do
Cristo morto e ressurreto do Evangelho. O interessante é que, há
bem pouco tempo, não poupávamos ataques ao Jesus comunista da
Teologia da Libertação. Mas acabamos por inventar um bem pior.
Capitalista e terreno, nosso Jesus desenvolveu uma ação
preferencial pelos ricos, e já não se acanha em especular na bolsa
dos valores invertidos e efêmeros. Ele induz o povo de Deus a
transformar pedras em pães, a saltar do pináculo do templo e a
curvar-se ante o príncipe desta geração – o maldito e perverso
Mamom.
Na
promoção do Jesus capitalista, alguns mestres e doutores estão
tornando o rebanho de Deus dependente de um cristianismo sem Cristo:
é o ópio do atual evangelicalismo. Não foi essa, porém, a
mensagem que Paulo expôs aos coríntios. Professando estar
comprometido com o evangelho genuíno e radical, escreve o apóstolo:
“Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este
crucificado” (1Co 2.2).
Se
quisermos um crescimento com profundidade, temos de nos voltar, com
urgência, ao Cristo anunciado pelos santos apóstolos: morto,
crucificado e ressurreto. O Jesus do Calvário é insubstituível e
inimitável.
Ao
invés da Palavra de Deus, a palavra do homem
Quem
prega um Jesus diferente do Cristo apostólico acabará por expor um
evangelho estranho à mensagem da cruz. Assim como a Lei de Moisés
nada era sem os Dez Mandamentos, de igual modo o Sermão do Monte: de
nada nos valerão suas bem-aventuranças sem as reivindicações
éticas do Mestre. Logo, não posso aceitar uma mensagem
politicamente correta se, profeticamente, for inconsistente e
permissiva. Afinal, fomos chamados a atuar como homens de Deus e não
a representar como homens do povo. Nosso compromisso é com a Palavra
de Deus.
Na
ânsia por aumentar seus rebanhos, há pastores que retiram a cruz de
suas mensagens, tornando-as mais palatáveis. Já descompromissados
com o Sumo Pastor, não mais falam o que os crentes necessitam ouvir,
mas o que os seus clientes querem escutar. Se estes não mais
suportam a sã doutrina e, acriticamente, consomem o que lhes chega
ao aprisco, por que se afadigar em servir-lhes o genuíno alimento
espiritual? Ao invés do texto bíblico, um pretexto casuístico e
oportunista. Não sei que nome dar a esse tipo de sermão. De uma
coisa, porém, não tenho dúvidas: deve ser muito eficiente, porque
infla as igrejas e engorda os rebanhos. Nesses currais, porém, as
ovelhas não são fortes: são obesas de si mesmas. Embora comam
muito, alimentam-se mal. Acham-se à beira da inanição. A mensagem
pode ser eficiente, mas é ineficaz para nutrir as almas que anseiam
por Deus.
Em toda a história da Igreja Cristã, nunca se
consumiu tantos livros e sermões. E, apesar disso, nunca se viu
tantos crentes gordos de si e magros de Deus. Essa gente enche os
templos e inflaciona as estatísticas, gerando um crescimento raso.
Não
sou contra o aumento do rebanho de Cristo. Se o Evangelho é pregado
é natural que se distendam os redis. Haja vista a Igreja Primitiva.
Passados trinta anos, desde o Pentecostes, as conversões
multiplicaram-se em Jerusalém, tomaram toda a Judeia e Samaria,
alcançando os confins da terra. Aliás, havia convertidos até mesmo
na casa de César. Mas era crescimento profundo e radical –
enraizado na doutrina dos santos apóstolos.
Só
pode haver crescimento genuíno com maturidade espiritual. Há uma
grande diferença entre o fruto que por si mesmo amadurece e o que é
posto na estufa. Este pode ser até maior, mas jamais terá a doçura
daquele. Infelizmente, muitas igrejas tornaram-se estufas de crentes.
Suas mensagens, geradas em eficientes departamentos de marketing,
engrandecem o homem e diminuem Deus, exaltam a bênção e humilham o
Abençoador, menosprezam a doutrina da santificação por já não
prezarem o santíssimo Deus.
Aferindo
a qualidade do rebanho de Cristo
Temos
de aferir nossa qualidade não pelas estatísticas, e, sim, pela
doutrina dos apóstolos. Antes recorríamos à Bíblia e,
humildemente, cotejávamos a nossa vida de acordo com a Palavra de
Deus. Hoje, buscamos os gráficos do IBGE e nos aborrecemos quando
nossas expectativas não são cumpridas. Dessa forma, viemos a
substituir o imperioso “ide” do Mestre por metas empresariais. E,
sempre que estas são batidas, distribuímos galardões: reajustes
salariais, viagens e presentes. Se continuarmos assim, não estou
certo se haverá alguma coisa a recebermos no Tribunal de Cristo,
pois a nossa premiação eterna já está sendo usufruída no tempo.
John
Stott não estava errado. A igreja evangélica cresceu e já é
contada aos milhões. Somos, de fato, um oceano vasto, azul e belo.
Infelizmente, tal oceano pode ser atravessado com as águas pelos
artelhos. Quem dera fôssemos como o poço de Jacó! Não tinha a
boca grande nem arrogante. Sua profundidade, contudo, era insondável.
Para que isso venha a acontecer, faz-se urgente que voltemos ao
Cristo de Deus, e deixemos de lado os “jesuses” que, todos os
dias, tiramos de nossa prateleira teológica. Além disso, faz-se
urgente recolocarmos a cruz em nossas mensagens.
Se
agirmos assim, nosso crescimento terá a profundidade do rio de
Ezequiel. De caudaloso e insondável, terá de ser transposto a nado.
Basta de pregarmos o que o povo quer ouvir. Falemos o que as pessoas
precisam escutar. Além do mais, na Igreja não temos clientes, mas
ovelhas ansiosas por ouvir o Bom Pastor.
Também
vi no blog Pregai o Evangelho do meu Amigo Xavier Campos