terça-feira, 8 de maio de 2012

ENTRE A CRUZ E O VIOLÃO - A TEOLOGIA DO VIOLÃO VERSUS A TEOLOGIA BÍBLICO-PASTORAL.



Texto do Professor Luiz Carlos Ramos da Universidade Metodista. Apesar de escrito há cerca de 15 anos, ainda continua muito atual. Boa leitura a todos.

ENTRE A CRUZ E O VIOLÃO – A Teologia do Violão Versus a Teologia Bíblico-Pastoral

Por Luiz Carlos Ramos

– Sr. Bispo, precisamos de um novo pastor!
– Há um pastor disponível. É muito estudioso e dedicado.
– Ele toca violão?
– Não, parece que não.
– Que pena... nós precisamos de um que saiba tocar violão...
Nos meus 21 anos de ministério, do outro lado do laicato, tenho presenciado inúmeras reedições do diálogo acima. Raramente, no processo de escolha do pastor, uma comunidade se interessa pela qualidade da biblioteca deste, por sua firmeza doutrinária ou suas raízes na tradição eclesiástica que abraçou.
Não obstante, se o pastor candidato tem talentos musicais (ou pelo menos consegue conduzir satisfatoriamente uma sessão de cânticos) terá maiores chances de encontrar emprego e remuneração diferenciados. Não há dúvida: hoje, mais vale um violão na mão que uma biblioteca teológica de primeira mão.

A IGREJA DA IDADE MÍDIA
Um modelo modernoso de igreja alternativa, viável e rentável, é o do franchise da fé. Trata-se de modelo facilmente identificável facilmente, haja vista a frequência com que aparece nos meios de comunicação de massa, e a habilidade com que neles se move explorando o agressivo marketing apelidado de gospel.

GOSPEL QUE EU GOSTO
O termo gospel utilizado pelas igrejas da idade da mídia não deve ser confundido, nem identificado, com o estilo musical homônimo de origem afro-norte-americana do final do século XIX. Este último nasceu como forma de resistência de uma cultura oprimida que tentava sobreviver sob uma cultura racista, classista, cruel e intolerante. O gospel tupiniquim é a adesão a um anglicismo novelístico que gerou um subdialeto gospel-evangélico bastante elástico que comporta muita coisa no campo musical, que vai do rap ao rock passando pelo pop e com algumas incursões, menos frequentes, nos estilos verde-amarelos do tipo baião, samba, sertanejo e assim por diante. Gospel não é um ritmo ou estilo musical. É uma marca como Coca-cola ou Bombril, com forte apelo comercial.

O NIVELAMENTO POR BAIXO PROMOVIDO PELOS LEIGOS
Com a lacuna cultural da formação do brasileiro, em geral, e a lacuna teológica na catequese do evangélico, em particular, a demanda por esse estilo eclesial e musical cresceu muito. A rigor, tais músicas gospel carecem de valor artístico-estético, bíblico-teológico e litúrgico-pastoral. Mas o exigente público não o é nesses itens. Sua exigência diz respeito não ao sentido da fé, mas à utilidade da religião. Se ela me ajuda na experiência catártica, se ele corresponde aos meus anseios por prosperidade, se ela aplaca minha consciência transferindo minha culpa para um ser demoníaco, e se, ao falar de um Deus vitorioso e guerreiro satisfaz meus desejos de vingança sublimados, então essa é a minha religião ideal.

O NIVELAMENTO POR BAIXO PROMOVIDO PELO CLERO
Os teólogos, por seu turno, deveriam ir um pouco além e identificar na história do dogma e no registro evangélico as muitas vezes frustrantes venturas e desventuras dos seguidores daquele que, quando na terra, não tinha “onde reclinar a cabeça” (Lc. 9.58). Mas explicar o amor aos inimigos, o chorar com os que choram, o sofrimento por causa de Cristo, a cruz que cada discípulo tem de tomar para segui-lo e sua opção pelos pobres e marginalizados, é realmente bem mais complicado. É aí que muitos “teólogos” resolvem trocar os compêndios da fé pelos dividendos da mídia. É nessa hora que Barth, Bultmann, Tillich, Lutero, Calvino, Wesley (para não falar em Agostinho, Tomás de Aquino, etc) dão lugar a certos astros gospel de maior ou menor grandeza. Os “teólogos” gospel que se fizeram bispos (sic!), profetas e até apóstolos (à revelia de qualquer convenção eclesial e gramatical) se mostram todos ansiosos em atender aos fiéis consumidores gospel com seus melhores produtos.

OS INTELECTUAIS MAUS COMUNICADORES E OS BONS COMUNICADORES MAUS INTELECTUAIS
Sejamos justos. Tecnicamente, eles são melhores comunicadores que os teólogos de verdade. Embora tenham péssimo conteúdo, têm a embalagem certa para o gosto médio da massa religiosa brasileira. Por outro lado, para que serve um conteúdo de primeira linha numa embalagem inaceitável? O grande desafio aos teólogos de verdade é conseguirem oferecer seu excelente conteúdo numa embalagem mais atrativa. Se o público compra tanta coisa ruim pela embalagem, seria possível usá-la (a embalagem) para “vender” coisa boa? Se o “meio é a mensagem”, não temos muitas opções. A ética não nos permitiria utilizar certas embalagens. Mas talvez haja uma faixa de tolerância e seja possível achar um meio para a mensagem e uma mensagem para o meio, que correspondam aos valores do Reino. Se isso não for possível, é melhor aproveitar a Rádio Gospel e anunciar: “Vende-se biblioteca teológica de primeira mão (aceita-se violão como parte do pagamento).”

Publicado em Mosaico – Apoio Pastoral. São Bernardo do Campo: Faculdade de Teologia da Igreja Metodista – Centro de Teologia e Filosofia da UMESP, Ano V, no 4, Agosto /Setembro de 1997, p. 16.

Também disponível em: http://www.metodistavilaisabel.org.br/artigosepublicacoes/descricaocolunas.asp?Numero=1798

Maranata. Ora Vem Senhor Jesus!
Deus abençoe a todos.